"... faltam-me as vísceras de fora quando as palavras se deixam antever. " in Memórias Internadas

14.10.12

Midgarthormr - J.L.BORGES


Sem fim o mar. Sem fim o peixe, a verde
serpente cosmogónica que encerra,
verde serpente e verde mar, a terra,
como ela circular. A boca morde
a cauda que vem dos remotos nexos
do outro confim. Ao nosso redor
o forte anel é tempestade, fulgor,
sombra e rumor, reflexos de reflexos.
É também a anfisbena. Eternamente
olham-se sem horror os muitos olhos.
Cada cabeça fareja crassamente
os ferros da guerra e os despojos.
Sonhado foi na Islândia. Pelos abertos
mares foi dividido e receado;
voltará com o barco amaldiçoado
que se arma com as unhas dos mortos.
Alta será a sua inconcebível sombra
sobre a terra pálida no dia
de altos lobos e esplêndida agonia
do crepúsculco esse que não se nomeia.
A sua imaginária imagem nos macula.
Pela madrugada o vi no pesadelo.

JORGE LUIS BORGES
Os Conjurados

DIFEL   1985  2ª edição
tradução de Maria da Piedade M. Ferreira e Salvato Teles de Meneses

1.10.12

QUATRO ANDAMENTOS PARA UM ALFABETO - ( 2005-2007 ) . Manuel Gusmão

O FUTURO OUTRORA   ( a; - g; )


c;

O crepúsculo do entardecer
sobre o eixo do tempo e sobre si mesmo rodando
abria a venenosa vertigem, a sua grande flor azul

e negra, esta flor de luto fechando-se sobre a terra.

É então que tendo talvez mudado a mão das águas
ou interrompido o tempo a mão do mundo
se terá lançado contra a solidão a voz sem mais -

era a noite nascente : a noite que apenas nascia


MANUEL GUSMÃO
A Terceira Mão
CAMINHO  2007
poesia o campo da palavra