"... faltam-me as vísceras de fora quando as palavras se deixam antever. " in Memórias Internadas

28.4.09

Preciso

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Um dia pode ser hoje estou frio
sol quente inunda lisboa
na esplanada buondi da estação rossio
preciso que o vento circular
me traga o reflexo dos meus olhos
do olhar que procuro encontrar
Um dia preciso de café quente
a queimar-me a língua na tua boca
puxar a minha com as mãos que só tu tens
deslizantes pelo tempo que estou a ver
Um dia preciso preciso sussurar
que os olhos o sol o café a estação e lisboa
és tu ausente pelo medo da resposta
de te dizer preciso

25.4.09

25 de Abril

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Estava a escrever um texto, mas o que vem a seguir, tira-me o folgo.

" Ás vezes o construtor detém-se. A obra afigura-se-lhe um montão de ruínas e, exausto, nem sequer consegue levantar uma pedra. Recorda então o fulgor fresco de uma manhã inicial, a ligeireza dos movimentos ascensionais, a ingenuidade de uma visão aberta e consonante, as perspectivas puras que se projectavam sobre um mar fascinante na sua lenta e azul tranquilidade. Algo de subtil e precioso germinará ainda sob a massa confusa das sensações em que o ser se asfixia e imobiliza? A vivacidade de uma festa no deserto poderá ainda actualizar a festa de outrora, a festa do princípio de todos os princípios? O construtor é neste momento o ignorante supremo na sua nuvem obscura, trabalhado pelas ondas negativas da desolação. Mas este momento, por negativo que seja, é já o despertar para a necessidade de construir a partir da resistência dos materiais opacos da construção e do seu peso maciço em que está petrificada a energia do ser. "

de António Ramos Rosa " O Aprendiz Secreto "

23.4.09

KITSCH AGRÍCOLA

Quando posso e preciso de confortar o estômago e um café, vou à Casa das Queijadas, aqui em Porto Alto. A variedade e qualidade são interessantes. Para lá chegar passo quase sempre por uma rua que até ontem nada tinha de especial, para além de um condomínio fechado com todas as coisas próprias de quem pensa que vive bem isolado e de forma prestigiosa...etc.
A caminho, parei para ver uma pequena laranjeira, carregada de frutos, com uma cova perfeita para a rega, muito bem atada a uma estaca que serve de guia para medrar direitinha, tudo muito bem feito. Sim senhora, bom trabalho! Vou fotografar para poder mostrar como é que as coisas se fazem à séria. Puxo da máquina, enquadro, faço zoom...não queria acreditar! Desvio a máquina, aproximo-me...e a coisa é de plástico. Até na agricultura... Fotografo, mas por uma razão diferente da inicial. Enquanto caminhava para a queijadinha, a imagem já não me saía da cabeça, bem como as razões que podem levar uma pessoa a trabalhar tanto para tentar enganar-se a si e aos outros. O agricultor Kitsch não come os frutos, os outros não os podem roubar, e assim não está certo! Pensei logo no aproveitamento artístico da coisa; um pomar com a multiplicação do objecto e cova incluída...a instalação estava feita e a justificação conceptual e chocante do caminho da arte e agricultura de mãos dadas, land art...e as leituras políticas e sociais, etc...Logo a seguir a ideia esfumou-se !!! Eu não sou capaz de fazer isto e não posso pedir ao agricultor Kitsch, porque ele " plantou uma " para não ter trabalho. Tenho pena!! A escala de um pomar com um hectare destas coisas ficava brutal!!!

22.4.09

Palestina 2003

Ficaram-me gravadas para sempre, as imagens de um pai em desespero, sentado na sombra contra uma parede segurando no peito o filho acabado de abater por um soldado israelita. Aquela bala também me atingiu a mim. Não morri, mudei.


Sinto-me a mortalha
de todas as crianças
enterradas sujas pelas armas
Mereço o peso absurdo da cova

21.4.09


Enquanto espero sentado
na cadeira de pinho bichoso
tratada e afagada com verniz aquoso
dois pardais na linha horizontal do muro
compõem o som da rua
Penso em água, rio, marés

Sinto-te como gotas que me tocam
deslizam para o meu leito
e são o meu mar

20.4.09

Lava


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Preciso de erguer  lava
acabada de brotar
e sentir o escaldante
a tocar-me no peito



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Dores


Palavras simples
são dores que senti
no outro lado da pele

Não as li na tua boca
Precisava de acordar
com uma duas nos meus lábios

Morreram-me
Não as senti onde tinha sede

Sopro


Labiaste-me o mar
iodado do norte

Suplicaste-me palavras de amor
no meio da ponte e estava escuro

Tenho a maresia na boca
fresca sem ponto cardeal

pronta a estalar

19.4.09

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A frase, " O tempo não espera pela vida " é a culpada! Apareceu-me, já não me lembro porquê, sinuosa cintilante, persistente ao ponto de servir para me acordar quase todos os dias. Precisava de a escrever noutro sítio, sem serem os habituais blocos de notas de capas pretas e sem linhas... que cheios com o tempo da minha vida, são atirados para o monte que vai crescendo, até que um dia... já não me lembre do "click neural" que a originou, tipo " Que coisa, a vida é tempo " !
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cinzas nocturnas
escondo-me oblíquo
tempo espero pela vida


RauAu